ADI 6363 - o que muda com a liminar?
- Gustavo Trancho
- 7 de abr. de 2020
- 4 min de leitura
Notícia de 6 de abril de 2020
Este blog fez um guia da MP 936, com as principais medidas que cada parte dentro da relação trabalhista pode esperar. Mas uma das partes das relações trabalhista teve pouco destaque: os sindicatos.
Uma liminar concedida ontem pelo Min. Ricardo Lewandowski alterou o cenário e deu uma importância maior aos Sindicatos. Mas afinal, o que muda?
Louvando a diretriz da OIT para enfrentar as questões trabalhistas decorrentes da pandemia de covid19, o ministro decidiu:
Nesse cenário, a OIT entende que o diálogo social tripartite, envolvendo governos, entidades patronais e organizações de trabalhadores constitui ferramenta essencial para o desenvolvimento e implementação de soluções sustentáveis, desde o nível comunitário até o global.
Como era antes da liminar?
Antes da decisão do Min. Lewandowski, a maior parte dos empregados poderiam fazer acordos individuais com os patrões, em duas opções principais: 1) suspendendo totalmente o contrato de trabalho para receber o equivalente ao seguro-desemprego ou 2) reduzindo a sua jornada de trabalho e o salário na mesma proporção, para o governo pagar o valor equivalente ao seguro-desemprego proporcionalmente à diminuição da jornada de trabalho. É que foi explicado no guia.
Acordo individual vetado para quem ganha acima de R$ 3.135,00
Os trabalhadores que ganham acima de R$ 3.135,00 estavam impedidos de fazer o acordo individual, por que o limite do seguro-desemprego é atualmente R$ 1.813,03 - e eles estariam sujeitos a uma perda muito grande da sua renda. De outro lado, eles se veriam forçados a aceitar essa perda na renda com medo de serem dispensados.
Única hipótese de acordo individual válido para quem ganha acima de R$ 3.135,00
O acordo deles somente seria válido se a carga horária fosse mantida em 75% - situação em que receberiam 75% do seu salário pagos pela empresa e R$ 453,26 (25% do teto do seguro-desemprego) do governo.
Negociação coletiva para quem ganha acima de R$ 3.135,00
Assim, para suspender o contrato de trabalho de quem ganha acima de R$ 3.135,00, a MP 936 exigia que o sindicato participasse da negociação - caso em que o trabalhador teria mais poder de barganha e poderia conseguir uma contrapartida melhor. A empresa pode pagar toda a diferença entre o salário normal do trabalhador e o valor máximo do seguro-desemprego (por exemplo), mas as partes também podem negociar um valor intermediário em razão da crise.
Sindicato teria participação reduzida
Na prática, poucos empregadores chamaria o sindicato do trabalhadores para negociar a suspensão do contrato de trabalho dos empregados que ganham até R$ 3.135,00 e o acordo individual seria o acordo definitivo.
Assim, a participação dos sindicatos seria reduzida para as categorias mais bem remuneradas, em que os trabalhadores ganham acima de R$ 3.135,00, como é o caso dos engenheiros civis, dos pilotos de avião, dos operários em fábricas de automóveis ou dos bancários.
Como ficou agora?
Agora, a negociação coletiva (ou seja, com a participação do sindicato dos empregados) pode acontecer para todos os trabalhadores.
Os acordos individuais devem ser comunicados para o sindicato dos trabalhadores, que têm o prazo de 8 dias (constante no art. 617 da CLT) para iniciar uma negociação coletiva a respeito daqueles contratos - buscando condições melhores do que as oferecidas pelo governo, tentando negociar uma contrapartida a ser paga pela empresa.
Caso os sindicatos consigam uma negociação, valerá o que for decidido entre sindicato e empresa, caso contrário, o sindicato dos trabalhadores poderá iniciar um dissídio coletivo.
Quem ganhou?
Os sindicatos atuantes ganharam enorme protagonismo - já que poderão iniciar frentes de negociação perante as empresas mais relevantes da sua categoria.
Os empregados que fazem parte de categorias com sindicatos ativos também ganharam, por que essa negociação tende a obter condições melhores do que as impostas pelo governo. Um trabalhador que ganhasse R$ 2.000,00 receberia do governo apenas R$ 1.600,00 e perderia 20% de sua renda. O sindicato poderia negociar que o patrão pagasse R$ 160,00 adicionais por mês, por exemplo.
Uma categoria que tem potencial de obter uma boa negociação é o sindicato dos comerciários do Distrito Federal. Os vendedores que ganham uma boa comissão nas grandes lojas de departamento ou em concessionárias de veículos podem ter força para negociar condições razoáveis.
Quem não será afetado?
Como os sindicatos dos trabalhadores dificilmente conseguirão negociar em milhares de pequenas empresas (que certamente utilizarão a MP 936 para sobreviver), as empresas com poucos trabalhadores dificilmente serão afetadas. O mesmo vale para trabalhadores domésticos - é praticamente inimaginável que o seu sindicato historicamente fraco consiga visitar cada residência para negociar condições para os membros da categoria.
De mesmo modo, os sindicatos que historicamente são pouco atuantes não vão iniciar negociação coletiva nenhuma e os seus trabalhadores vão continuar desprotegidos como sempre foram.
Uma categoria que dificilmente obterá qualquer vantagem para seus empregados é a dos garçons do Distrito Federal. Basta comparar as convenções coletivas dos comerciários com a dos garçons para ver como a primeira tem uma negociação dos domingos trabalhados com contrapartidas efetivas para os trabalhadores, enquanto o sindicato dos trabalhadores de restaurantes já fez inúmeros acordos coletivos autorizando a "venda" do domingo por valores ínfimos.
Sindicatos continuam com atuação reduzida
Muito embora a decisão dê força aos sindicatos dos empregados, a verdade é que as condições de quarentena são terríveis para a negociação coletiva. Como um líder sindicalista consegue reunir a categoria para discutir as condições de trabalho quando as melhores recomendações são para ninguém sair de casa?
Nestas condições extraordinárias, os melhores sindicatos vão reunir suas forças para negociar perante os estabelecimentos que possuem um grande número de trabalhadores.
Como será a negociação? Art. 9º da MP 936
Dificilmente, um sindicato atuará para proibir seus representados de receber a ajuda do governo. O ponto principal da negociação será o valor previsto no art. 9º da Medida Provisória 936 como "ajuda compensatória mensal" - pago pelo patrão enquanto o empregado recebe benefícios do governo.
Não faz lógica imaginar que um sindicato vai tirar dinheiro da sua categoria, a sua atuação certamente será para levar mais dinheiro para seus representados.
Como o art. 9º estabelece que essa "ajuda compensatória mensal" não tem natureza salarial, seu pagamento reverte 100% em favor do empregado, e será provavelmente o item mais importante em uma negociação.
Conclusão
Apesar do alvoroço que a decisão causou, na prática pouca coisa mudou para a maior parte dos trabalhadores e patrões do país.
As obrigações que os patrões tinham de comunicar os acordos individuais para o governo e para o sindicato da categoria continuam as mesmas, sendo que - a partir de agora - o sindicato dos trabalhadores pode iniciar uma negociação coletiva para conseguir condições melhores para os trabalhadores.
Comments