Sucumbência em Mandado de Segurança
- Gustavo Trancho
- 24 de ago. de 2020
- 4 min de leitura
Artigo de 24 de agosto de 2020
É possível propor ações com valores elevados, em mandados de segurança, com um risco muito pequeno de sucumbência. Trata-se de uma exceção no direito brasileiro que, com o Código de Processo Civil de 2015, passou a condenar os perdedores de uma ação a pagar no mínimo 10% do valor da causa. Este artigo trata da situação especial dos mandados de segurança.
Duas Leis de Mandado de Segurança
O Mandado de Segurança é uma ação constitucional porque tem fundamento nas Constituições brasileiras desde 1934, com a função específica de enfrentar um ato praticado pelo Poder Público de forma ilegal (fora do âmbito criminal, em que a ação constitucional para enfrentar atos ilegais por excelência é o habeas corpus).
A regulamentação legal do mandado de segurança só veio em 1951, com a Lei 1.533, que foi durante muito tempo a regra processual especial dos mandados de segurança. Em 2009, foi prolatada uma nova Lei do Mandado de Segurança (Lei 12.016/09) e essas são as principais regras legais acerca do mandado de segurança no Brasil.

STF: não há honorários de sucumbência em Mandado de Segurança
Quando ainda vigia a Lei 1.533/51, os Tribunais do país elaboraram o seguinte raciocínio: os honorários de sucumbência estão previstos no Código de Processo Civil (da época) e não têm qualquer menção na Lei 1.533/51. Como o Mandado de Segurança é regido por uma lei especial, sem indicação de honorários de advogado, eles não são devidos.
O Supremo Tribunal Federal tinha inúmeros julgados nesse sentido e consolidou o tema com a edição deste enunciado:
"Súmula 512. Não cabe condenação em honorários de advogado na .ação de mandado de segurança." Supremo Tribunal Federal, Pleno, DJ 12 DEZ 1969.
STJ: não há honorários de sucumbência em Mandado de Segurança
Com a Constituição de 1988, o Supremo Tribunal Federal deixou de julgar as ofensas às leis federais e o Superior Tribunal de Justiça foi criado, detendo a última palavra sobre a Lei 1.533/51.
Essa mudança no órgão julgador não alterou o entendimento então vigente, sendo certo que a nova Corte também editou um enunciado no mesmo sentido do anterior:
"Súmula 105. Na ação de mandado de segurança não se admite condenação em honorários advocatícios." Superior Tribunal de Justiça, Corte Especial, julgamento 26 MAI 1994, DJ 03 JUN 1994.
Nova Lei Processual: esperança de alguns advogados não prevaleceu
O lobby dos advogados tentou reverter a jurisprudência histórica com a promulgação do Código de Processo Civil de 2015, havendo até artigos escritos com essa esperança em meados de 2015.
No entanto, essa "esperança" não prevaleceu. Em primeiro lugar, deve-se notar que enquanto a Lei 1.533/51 era omissa a respeito de honorários, a Lei do Mandado de Segurança vigente determina expressamente que não há honorários advocatícios nesse processo constitucional especial:
"Art. 25. Não cabem, no processo de mandado de segurança, a interposição de embargos infringentes e a condenação ao pagamento dos honorários advocatícios, sem prejuízo da aplicação de sanções no caso de litigância de má-fé." Lei 12.086/09.
O Código de Processo Civil de 2015 não revogou o art. 25 da Lei 12.086/09.
Ademais, tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça já tiveram centenas e centenas de oportunidade de julgar mandados de segurança após o Código de Processo Civil de 2015 e jamais houve uma rediscussão da sólida jurisprudência que remonta meados do século anterior.
A própria exposição da Súmula 512 na página do Supremo Tribunal Federal faz menção ao processo ARE 962.080 AgR, relatado pelo Min. Celso de Mello, posteriormente ao Código de Processo Civil de 2015. Nesse precedente, o Tribunal declara que os honorários advocatícios não são cabíveis no mandado de segurança.
Custos do Mandado de Segurança
Por isso, conforme a lei vigente e conforme o entendimento quase centenário dos Tribunais, não há honorários de sucumbência em mandado de segurança.
Apesar disso, ainda fala-se em sucumbência, mas exclusivamente das custas judiciais. Na Justiça Federal, o limite das custas é de R$ 957,69 para a propositura de um mandado de segurança e outros R$ 957,69 a serem pagos em caso de apelação.
Na Justiça Comum, as custas são corrigidas anualmente pelo INPC e têm variantes decorrentes do número de pessoas que participam do processo. Para dar uma noção dos valores, em mandado de segurança movido por só uma pessoa contra uma única autoridade, o valor máximo cobrado (teto) é R$ 309,21 de custas iniciais, e outros R$ 17,32 para o caso de apelação. São quantias módicas para demandas que podem ter valores milionários.
Na Justiça do Trabalho é mais raro haver mandado de segurança, mas a regra de custas é simples: 2% do valor (atualizado) da causa, pagas ao final pelo perdedor.

Atenção: fora do Distrito Federal, nas Justiças Estaduais, não é raro haver custas de valor muito elevado.
Assim, a sucumbência no Mandado de Segurança se limita ao ressarcimento das custas pela parte vencida em favor da parte vencedora. Normalmente, o cidadão adianta todas as custas e, se for vencedor, obtém o ressarcimento do ente público do valor das custas atualizado.
Enorme Vantagem para o Cidadão
Ao contrário do que pensam os colegas que defenderam a condenação em honorários advocatícios em mandado de segurança, é uma enorme vantagem poder impetrar mandados de segurança sem o risco da sucumbência (de honorários advocatícios).
Há uma situação assimétrica em favor do cidadão.
Ao litigar com o poder público, há inúmeras situações em que o cidadão pode escolher entre uma ação ordinária (com o risco de sucumbência) e um mandado de segurança (sem o risco). Nas causas com teses mais arriscadas, o cidadão pode optar pelo mandado de segurança, sem temer a sucumbência (pelas regras hoje vigentes no Brasil). Nas causas com teses vencedoras, o cidadão pode propor desde já uma ação ordinária e impor a sucumbência ao Poder Público.
O Estado não tem a mesma flexibilidade ao entrar com uma ação com o cidadão, muito embora tenha mais recursos e enormes poderes para atuar em face de um indivíduo.
Conclusão
O uso perspicaz das regras vigentes permite ao cidadão litigar com o Estado podendo, em muitas das vezes, minimizar os seus riscos e maximizar o seu retorno.
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