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Procuração Judicial

  • Foto do escritor: Gustavo Trancho
    Gustavo Trancho
  • 20 de mai. de 2020
  • 8 min de leitura

Este artigo explica o que é uma procuração judicial, o que um advogado pode fazer com ela, como ampliar ou restringir seus poderes, quais os riscos de assinar uma procuração sem saber exatamente do que se trata e quais cuidados devem ser tomados.


Por que os advogados pedem procuração para trabalhar?

Para defender qualquer pessoa em juízo, é necessário apresentar procuração em razão de determinação legal:

"Art. 5º O advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato." Lei 8.906/94. Estatuto da Advocacia.

A procuração é a prova escrita do mandato, que o advogado junta ao processo para demonstrar que foi escolhido pelo cliente. Sem procuração, como o juiz saberia que um advogado escolhido e não outro?


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Elementos Essenciais

Em resumo, a procuração judicial possui três elementos:

  1. outorgante - a qualificação de quem passa poderes, com CPF, nacionalidade, estado civil, profissão, domicílio

  2. outorgado - qual é o advogado que recebe os poderes, com sua inscrição na Ordem dos Advogados, a indicação se participa de alguma sociedade de advogados, e o endereço profissional

  3. poderes - quais são os poderes concedidos

A procuração deve também conter o local onde foi passada e a sua data.


Procuração do Escritório

Para ver um modelo conciso de procuração ou conferir a procuração usualmente utilizada quando o escritório é contratado para atuar em favor de uma pessoa física, basta clicar no arquivo abaixo:



Reconhecimento de firma? Coisa do passado

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Alguns clientes perguntam se é necessário fazer o reconhecimento de firma de uma procuração judicial. Era uma prática antiga, cuja necessidade foi abolida em 1994 (pela Lei 8.952). Essa lei partiu do princípio de que deveria se conceder alguma fé aos advogados - que não estão a inventar poderes dados por clientes que não existem, acreditando que nunca serão descobertos.

Essa boa medida foi mantida pelas leis hoje em vigor, de forma que a procuração precisa sim ser assinada pelo cliente, mas não precisa do reconhecimento de firma feito em cartório.

Cumpre lembrar que, diversamente das procurações judiciais, é possível exigir o reconhecimento de firma nas procurações para a prática de atos extrajudiciais - como representar alguém em uma assembleia de condomínio (art. 654, §2º, do Código Civil).


Procurações digitalizadas em processos eletrônicos

Todos novos os processos cíveis e trabalhistas (além da remessa de recursos para os Tribunais Superiores) já são eletrônicos há alguns anos, e o estoque remanescente de processos físicos estão sendo rapidamente digitalizados. No mundo digital, o que o advogado junta no processo é a digitalização (normalmente em .pdf) de uma procuração, se um scanner não estiver disponível, até mesmo uma foto de celular.

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Para tirar fotos melhores de documentos, é recomendável utilizar o aplicativo da Microsoft Office Lens que é gratuito tanto para iOS quanto para Android. Alguns celulares mais modernos já incorporaram essa função no aplicativo-padrão de câmera.


Poderes Gerais para o Foro

A procuração dada aos advogados normalmente dão os poderes gerais para o foro. Isso significa que o advogado representa o cliente em todo tipo de ação, inclusive nas ações sigilosas (como são alguns inquéritos policiais e as ações de divórcio ou de alimentos), em todo grau de jurisdição, nos incidentes, nos recursos, na fase de cumprimento de sentença.

Para dar esses poderes, pode-se utilizar diversas fórmulas como "poderes ad judicia", "poderes para o foro em geral", ou "poderes para atuar como advogado".


O escritório Januncio Azevedo Advocacia utiliza como padrão as procurações com poderes gerais, o mesmo padrão eleito pela lei. Como na vida prática, os processos podem ter incidentes, a procuração com poderes gerais permite que eles sejam enfrentados sem ter de obter uma nova procuração, e ainda permite a clientes antigos que contratem novas atuações sem necessitar nova procuração.


Poderes Especiais

Para além dos poderes gerais, alguns atos específicos exigem uma procuração judicial que faça a outorga expressa de poderes especiais. Eles são listados a seguir, com as cautelas que devem ser guardadas:


Poderes Especiais para abdicar: atos que envolvem disposição

Há necessidade de poderes especiais para desistir de uma ação (podendo reapresentá-la no futuro), para renunciar ao direito (impedindo de buscá-lo novamente no futuro), para confessar um fato contrário a seus interesses e para reconhecer que o adversário tem razão (levando o processo a julgamento definitivo).


Por mais que algumas vezes faça sentido processual desistir de uma ação, raríssimos são os casos em que os demais atos são necessários. Por isso, a prática muito comum de fazer modelos de procurações com amplíssimos poderes, inclusive para graves renúncias, deve ser revista.


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O escritório defende a vítima de uma quadrilha de "advogados" que, tendo a confiança do cliente que estava gravemente enfermo, mandou uma procuração "padrão" com todos os poderes inimagináveis e renunciou criminosamente aos direitos de um valiosíssimo terreno em uma ação que estavam de conluio com a parte adversária. O cliente sobreviveu à sua doença, constituiu novos advogados, e a renúncia criminosa foi exposta ao Juízo como um ato ilegal que deve ser desconsiderado. O caso não foi julgado e a injustiça deve ser desfeita, mas ele ilustra o risco de assinar poderes desnecessários e ilimitados.


Poderes Especiais para fazer acordo

Um tipo especial de disposição é um acordo (transação na linguagem técnica) em que cada adversário abre mão de parte de suas pretensões para alcançar um resultado intermediário. É uma cláusula muitas vezes útil, quando o cliente não reside na mesma cidade, ou por qualquer motivo não pode estar presente na elaboração de um acordo.


Assim, para clientes que têm essa confiança especial e precisam que um acordo seja assinado sem a sua presença (ou nem querem ver a cara da outra parte), é possível fazer constar das procurações judiciais, além dos poderes gerais, os poderes especiais para transigir.


Em regra, quando o cliente pode participar pessoalmente da celebração do acordo, é recomendável (tanto para a segurança do cliente, como para a segurança do advogado) que um acordo judicial seja assinado pela parte e pelo advogado.


Poderes Especiais para mexer com dinheiro

A lei também exige poderes especiais dos advogados para receber e dar quitação ao adversário. Alguns juízes exigem que esses dois poderes estejam na procuração para que o advogado possa movimentar o dinheiro do cliente depositado em contas judiciais (seja a devolução de um depósito, seja o pagamento da condenação, feita pelo adversário que perdeu a causa).


Essa é uma parte ainda mais sensível, por que há raros casos em que advogados se aproveitam disso para se apropriar irregularmente dos valores que pertencem a seus clientes. O Tribunal de Ética da seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados tem a lista de mais de 90 advogados suspensos (dentro de um universo de uns 45 mil ativos = 0,2%) na consulta realizada em maio de 2020, todos menos um estavam suspensos até prestarem contas a seus clientes dos valores recebidos e não repassados adequadamente.


Mesmo advogados absolutamente honestos não têm justificativa para colocar um cliente para assinar uma "procuração padrão" com poderes para receber sem lhes avisar o que isso significa.

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Ainda assim, são poderes especiais que muitas vezes eram necessários, por que antes da pandemia, ainda era uma prática no Distrito Federal que os valores depositados em contas judiciais fossem movimentados no banco dentro da sede do fórum. Alguns clientes não tinha prática com isso, outros estavam fora do estado ou do país, outros eram muito idosos - e os advogados movimentavam seu dinheiro.


Nos dias de hoje, a utilidade da cláusula de movimentar dinheiro do cliente é cada vez mais rara, por que com a pandemia, todos os juízos do Distrito Federal começaram a aplicar uma regra (que já estava em vigor desde 2016) que permite a transferência das contas judiciais direto para a conta do beneficiário:

"Art. 906. Ao receber o mandado de levantamento, o exequente dará ao executado, por termo nos autos, quitação da quantia paga.
Parágrafo único. A expedição de mandado de levantamento poderá ser substituída pela transferência eletrônica do valor depositado em conta vinculada ao juízo para outra indicada pelo exequente." Código de Processo Civil.

Outros poderes especiais

Também são necessários poderes especiais para fazer a declaração de pobreza necessária para pedir os benefícios da Justiça Gratuita, para tirar um processo do Judiciário e eleger um árbitro privado para resolvê-lo ("firmar compromisso") e para fazer as primeiras e as últimas declarações em um inventário.


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Duração do Mandato

As procurações com poderes gerais são muito amplas, e não têm prazo de duração. Processos podem ter uma longa duração, como o caso do Palácio de Guanabara tristemente ilustra e, por isso, se não houver especificação em contrário, os mandatos só se encerram com o falecimento ou a incapacidade superveniente do cliente ou do advogado.


Por isso, faz sentido perguntar se é possível restringir a duração das procurações, e a resposta é sim. A procuração pode ter a limitação que o cliente desejar, sendo certo que procurações muito limitadas exigirão novos documentos diversas vezes.


Limitação da Duração do Mandato

Uma restrição muito adotada por empresas de largo porte é limitar a procuração dos seus escritórios a um ano, ou a duração da eleição de sua diretoria. É usual colocar que, nos processos em que a procuração que já foi apresentada, ela tem duração até o término do processo (para evitar que a empresa fique sem representação ao final desse prazo, gerando um terrível trabalho adicional para quem tem centenas de processos para cuidar).


A duração limitada também pode ser utilizada para advogados que realizarão apenas alguns atos no processo, como o acompanhamento da oitiva de uma testemunha em outro estado, ou a sustentação oral. Nada impede que a duração seja de apenas um dia, de um mês, até o fim do ano. O problema com durações muito curtas ocorre quando a audiência é desmarcada, e o advogado com o mandato de um dia não poderá atuar sem um novo instrumento na audiência subsequente, e a vida prática no mundo no direito tem um incontável número de imprevistos que justificam procurações com duração alongada.


A Cláusula "Exclusivamente"

Se a contratação de um advogado é exclusivamente para um processo, pode ser inserida na procuração a restrição pelo uso da palavra "exclusivamente" ou similar. Essa fórmula restringe o advogado tão-somente ao processo (ou ao ato, ou à região) indicado na procuração, sem dar poderes para atuar em nenhum outro.


É bom notar que o uso da expressão "especialmente" permite a atuação em outros processos que não o indicado, conforme a interpretação dos Tribunais.


Substituição de Representantes de uma Pessoa Jurídica e o Mandato

Uma dúvida muito comum acerca da validade das procurações (e dos atos jurídicos em geral) ocorre quando as pessoas jurídicas têm a sua representação alterada.


A mudança de um prefeito, de um síndico, ou de um sócio, não altera a validade de uma procuração passada pelo seu antecessor, nem há proibição de a procuração tenha uma validade maior do que o mandato do representante. A razão de ser disso é que quem outorga a procuração é a pessoa jurídica (e não o representante que é exatamente isso, apenas um representante), e a pessoa jurídica não sofre uma alteração nos seus direitos e obrigações só por que mudou a sua forma de representação.


Nada impede que uma empresa ou um condomínio tenham como política coincidir a duração dos mandatos judiciais com o mandato dos seus representantes, mas isso é apenas uma opção de governança dessas instituições e não uma obrigação legal.


Substabelecimento - passar a procuração para outra pessoa

É comum na prática da advocacia atuar com outros colegas, parceiros, com auxiliares e estagiários. Para formalizar que uma outra pessoa atuará no processo, o advogado que recebeu poderes do cliente pode repassá-los por meio de um substabelecimento.

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Em regra, o advogado pode designar auxiliares para atuar, sem afastar a sua responsabilidade pessoal pelos atos de quem substabelecer. É o que se chama "substabelecimento com reservas", um resumo para a expressão ainda mais longa "substabelecimento com reservas de iguais poderes para si". A não ser que algo tenha sido contratado em contrário, nesse tipo de auxílio, o cliente sequer precisa ser avisado já que - para todos os fins - o advogado contratado continua sendo o principal responsável pela atuação.


Já no caso de substituição de um advogado por outro, com a liberação do que recebeu originalmente a procuração, é chamada no jargão forense de "substabelecimento sem reservas". Esse ato somente pode ser feito a pedido do cliente ou com sua prévia notificação. Mesmo que uma das "procurações-padrão" autorize o substabelecimento sem reservas, é uma cláusula abusiva que não pode produzir nenhum efeito, e o advogado continua com a obrigação ética de avisar previamente a seu cliente que deixará a causa.

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