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Despejo durante a Quarentena

  • Foto do escritor: Gustavo Trancho
    Gustavo Trancho
  • 25 de mar. de 2020
  • 5 min de leitura

Atualizado: 6 de abr. de 2020

Se alguém deixar de pagar aluguel, ou transformar uma residência numa hospedagem, durante o período de quarentena, o locador consegue retomar o imóvel propondo despejo?


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Há uma regra na Lei do Inquilinato que busca proteger o locador durante a suspensão dos trabalhos forenses:


"Art. 58. Ressalvados os casos previstos no parágrafo único do art. 1º, nas ações de despejo, consignação em pagamento de aluguel e acessório da locação, revisionais de aluguel e renovatórias de locação, observar - se - á o seguinte:

I - os processos tramitam durante as férias forenses e não se suspendem pela superveniência delas;" Lei 8.245/91


As férias forenses foram oficialmente extintas pela Reforma do Judiciário, e nunca deixou de haver discussão sobre o alcance do dispositivo que assegura a tramitação das ações da Lei do Inquilinato - especialmente a ação de despejo.


Recesso Forense equivale a Férias na contagem dos prazos


A discussão que já foi travada nos Tribunais, e sobre a qual é possível falar com um pouco de segurança, é se o recesso que o Judiciário faz no fim do ano (recesso forense - entre 20 de dezembro e 6 de janeiro) interrompe os prazos das ações de despejo.


A jurisprudência antiga (AgRg no Ag 346.212/SP, rel. Min. Fernando Gonçalves, de 2001) e a jurisprudência recente (AgInt no REsp 1.401.760/MA, rel. Min. Luís Felipe Salomão, de 2019) asseguram aos processos da lei de inquilinato a tramitação durante as férias - incluído aí o recesso forense. Nesse julgado mais recente, a sentença proferida em 10 DEZ 2008 teve um recurso interposto em 12 JAN 2009 (considerando a suspensão do prazo no recesso de fim de ano). O Tribunal julgou que o recurso foi interposto fora do prazo (por que ele continuou correndo e só não findou no dia 25 DEZ 2008 por que prorrogado para o dia seguinte).


A tese consagrada é que o recesso forense equivale à férias na contagem dos prazos:


"PROCESSO CIVIL. PRAZOS. RECESSO FORENSE. O recesso forense equipara-se às férias para efeito de suspensão dos prazos processuais. Recurso especial conhecido e provido." (REsp 163.191/RJ, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/08/2002, DJ 23/09/2002)


Ações de Despejo Cumulada com Cobrança de Aluguel


Nas curiosas voltas que o direito dá, muito embora tudo o que vale com relação às ações de despejo continue valendo, os Tribunais consagraram que só as ações de despejo puras têm o privilégio do art. 58, I, da Lei do Inquilinato. Como a cobrança de aluguéis uma ação regida pela legislação processual ordinária, quando o despejo vem cumulado com a ação de cobrança, os prazos se suspendem durante o recesso forense.


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Os dois entendimentos convivem harmoniosamente, valendo uma regra para os despejos puros e outra regra para os despejos cumulados com a cobrança dos atrasados:


"Nos casos em que há cumulação da ação de despejo com a cobrança de aluguéis, o prazo recursal fica suspenso durante o recesso forense." (REsp 1.414.092/PR, rel. Min.

Paulo de Tarso Sanseverino, TERCEIRA TURMA, DJe 09/03/2016)


Despejo durante a Suspensão de Prazos da Quarentena


A questão que ainda não foi julgada, mas certamente chegará aos fóruns é a contagem dos prazos no caso das ações de despejo puras em curso durante a suspensão dos prazos determinada pela Resolução n. 313/CNJ.


A Portaria menciona que "o caráter ininterrupto da atividade jurisdicional é garantido [...] por meio do sistema de plantões" mas determina no seu art. 5º que "Ficam suspensos os prazos processuais a partir da publicação desta Resolução, até o dia 30 de abril de 2020."


A lista de pedidos urgentes que devem ser apreciados durante o Plantão Extraordinário está no art. 4º da Resolução, e não contém as ações da Lei do Inquilinato.


Se fosse certo que os Tribunais voltarão a funcionar normalmente na segunda-feira 4 de maio, depois do feriado do Dia do Trabalhador, a tese de que os prazos ficariam totalmente suspensos teria uma chance razoável de acolhimento.


No entanto, se a medida vier a se prolongar por mais alguns meses (o que este articulista acredita ser o mais provável), há uma chance significativa de os Tribunais de Justiça permitirem a tramitação das ações de despejo - especialmente considerando que a jurisprudência é extremamente benevolente em favor do locador, até mesmo em casos em que o contrato de locação contém abusos evidentes.


Liminares de Despejo


Outro motivo que poderia ser argumentado para obter um despejo durante a quarentena são as liminares de despejo, que foram ampliadas e passaram a ser aplicadas no dia a dia dos Tribunais a partir da Lei 12.112, de 2009.


As duas hipóteses de despejo por liminar mais comuns são o término do prazo do contrato de locação não-residencial e a falta de pagamento dos valores devidos em razão da locação, se o contrato não não contar com fiador, caução nem seguro-fiança.


Nesses casos, as modificações introduzidas em 2009 na Lei do Inquilinato determinam que o juiz conceda a liminar para desocupação no prazo de 15 (quinze) dias, e as medidas liminares estão expressamente para serem apreciadas durante a quarentena:


"Art. 4º No período de Plantão Extraordinário, fica garantida a apreciação das seguintes matérias:

[...]

II – medidas liminares e de antecipação de tutela de qualquer natureza, inclusive no âmbito dos juizados especiais;" Resolução n. 313/CNJ


Não faz sentido interpretar que o Judiciário tem o dever de apreciar o pedido de liminar, mas que o prazo para cumpri-la fica suspenso para iniciar no final da quarentena. Se não houver prorrogação da Resolução n. 313/CNJ, uma liminar concedida (25 de março) hoje só teria seu prazo para desocupação findo em 22 MAI 2020.


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Conclusões


Muito embora não se possa ter segurança sobre qual será a interpretação dos Tribunais a respeito das ações de despejo (e das demais ações da Lei do Inquilinato) durante a quarentena, é possível avaliar algumas estratégias como sendo as mais recomendadas.

O locador que pretender o despejo deve propor uma ação pura, sem cumular com a ação de cobrança dos aluguéis atrasados - para poder exigir a aplicação da regra que permite a tramitação do processo nas férias (e também na quarentena).

Se o risco de inadimplência for significativo, e houver como bloquear patrimônio do locatário (ou dos seus fiadores), a medida apropriada é propor outra ação de execução desses valores e fazer um pedido de liminar chamado arresto (que também pode ser apreciado durante a quarentena).

Pelo lado do locatário, se houver uma ação correndo contra ele, ou se ele receber a citação para responder a uma ação de despejo durante a quarentena, ele deve avaliar se é uma ação pura de despejo ou uma ação cumulada com a cobrança de aluguéis. Não sendo uma ação pura, dependendo da defesa que ele tiver, o locatário deve avaliar a estratégia de deixar a sua manifestação para ser apresentada somente ao final da quarentena - ganhando com isso meses de prazo e, talvez, uma posição processual vantajosa para negociar com o adversário.



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Carolina Maria de Jesus, autografando sua obra-prima, Quarto de Despejo, em agosto de 1960. Imagem do Arquivo Nacional, Fundo Correio da Manhã.

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