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Reajuste Escalonado: Direito Adquirido

  • Foto do escritor: Gustavo Trancho
    Gustavo Trancho
  • 14 de mai. de 2020
  • 5 min de leitura

Atualizado: 20 de mai. de 2020

A Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.013/TO concluiu que os reajustes escalonados dos servidores públicos constituem direito adquirido e, por isso, não podem ser revogados por lei posterior - mesmo que a lei seja anterior à data prevista para o pagamento do reajuste.


Ao final da explanação deste julgado, este artigo explica por que esse precedente é um tese que o escritório utiliza para o reajuste escalonado dos servidores do Distrito Federal.


O Caso Concreto - Reajuste dos servidores de Tocantins

O Estado do Tocantins garantiu um reajuste para seus servidores por meio das Leis 1.855 e 1.861, de 2007, com a previsão de que o reajuste começaria a ser pago em 1º de janeiro do ano seguinte (2008).


Ocorre que, posteriormente, o reajuste foi revogado pelas Leis 1.866 e 1.868, também de 2007, antes de iniciar a ser pago para os servidores. Um partido de oposição ao governador ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.013/TO no Supremo Tribunal Federal, arguindo a inconstitucionalidade dessas leis, ao argumento de que o direito adquirido ao reajuste não poderia ser modificado.


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O girassol é um dos símbolos do Estado de Tocantins.


Os argumentos do Governador do Estado de Tocantins apresentados ao Supremo Tribunal Federal eram de que, como o reajuste não chegou a ser pago, isso não configuraria direito adquirido. De outro lado, ele argumentou que as finanças públicas estariam afetadas, e que passaria dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal.


Discussão Jurídica

A relatora, Min. Carmen Lúcia, argumentou que o direito de irredutibilidade salarial dos servidores públicos é uma garantia qualificada do direito adquirido - imune a uma revisão legislativa.


Por isso, as leis que revogaram o reajuste prometido eram inconstitucionais e o reajuste deveria ser integralmente pago.


A divergência argumentou que, se a revogação ocorreu antes do reajuste ser implementado, não havia direito, mas apenas a expectativa de um direito:

"Por ser a norma, antes da vigência, inerte e insuscetível de reger as relações sociais, não gera obrigações, tampouco direitos, não havendo como falar em aquisição de direito se a norma nem sequer incidiu ou foi considerada exigível. Não se está, nesse caso, diante de um direito
propriamente dito.
[...]
O aumento ainda não fazia parte da esfera jurídica dos servidores, pois ainda não era vigente.
A jurisprudência da Corte, nas oportunidades em que reafirmou a proteção dada ao direito adquirido e à irredutibilidade dos vencimentos dos servidores públicos, partiu, exatamente, do pressuposto de que o direito já era exercido, ou pelo menos titularizado, em razão de ato normativo vigente e foi tolhido por meio de revogação da lei embasadora." Trecho do voto-vencido do Min. Dias Toffoli na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.013/TO.

Empate 5 a 5

Em favor do servidor votaram a relatora min. Carmen Lúcia, e também Rosa Weber, Luiz Fux, Marco Aurélio e Celso de Mello.


Votaram contra o reconhecimento do direito adquirido os ministros Roberto Barroso, Teori Zavascki, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.


Em razão de o Min. Edson Fachin ter sido recém-nomeado, a sessão de julgamento do dia 20 de maio de 2015 foi suspensa para aguardar o seu voto.

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Voto de Desempate

O Min. Edson Fachin recorreu a um conceito da teoria geral do direito, em que se define condição e termo no seu sentido jurídico:

"Ocorre, porém, que a condição, na esteira dos precedentes desta Corte, exige evento futuro e incerto.
A aquisição do direito, in casu, está, ao contrário, a depender de evento cuja certeza é determinada pelo lapso temporal. A certeza sobre o implemento de evento futuro, transmuda o ato de condição, para termo.
[...]
Não se nos afigura possível, portanto, interpretar o período da vacatio como sendo condição suspensiva do exercício do direito eventualmente concedido. A certeza sobre o implemento da condição empresta a esse dispositivo os efeitos indicados pelo art. 131 do Código Civil:
'Art. 131. O termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito'.
[...]
Assegurado nesses termos o direito, o Estado não poderia, ainda que por nova lei, alterar esse entendimento. Isso porque a garantia do direito adquirido, enquanto pressuposto da segurança jurídica, é oponível também à lei.
Com essas considerações, pedindo uma vez mais vênia à divergência, julgo procedente a presente ação direta, nos termos do voto da e. Ministra Relatora." Trecho do voto de desempate do Min. Edson Fachin na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.013/TO.

Como o art. 131 do Código Civil (e também o art. 6º, §2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) definem um direito sujeito a termo como um direito já adquirido, o fato de ter de esperar até o dia 1º de janeiro do ano seguinte não é incerto.


Com esse voto, em 31 de março de 2016, o Supremo Tribunal Federal assentou por 6 a 5 que o reajuste prometido aos servidores, com data certa de implementação, constitui direito adquirido e não pode ser modificado nem por lei posterior. Os argumentos de ofensa à Lei de Responsabilidade Fiscal também não foram acolhidos.


Aplicação no Caso do Distrito Federal

A opinião do escritório é que esse precedente será um argumento poderoso em favor dos servidores do Distrito Federal para cobrar o reajuste escalonado que havia sido implementado em setembro de 2014 e cuja última parcela, de setembro de 2015, não foi paga.

Se nem com base em uma lei o reajuste concedido poderia ser revogado, no caso do Distrito Federal o governador alegou que não tinha recursos e simplesmente deixou de pagar sem nenhum respaldo legal.

O precedente é muito mais adequado do que o Tema da Repercussão Geral 864, que foi amplamente noticiado, mas que não tem relação com o caso dos servidores do Distrito Federal - como já foi publicado aqui.


Previsões sobre como o Judiciário aplicará o precedente


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Uma frase atribuída ao físico dinamarquês Niels Bohr ironiza que "fazer previsões é difícil, especialmente sobre o futuro".


Apesar da dificuldade, há alguns elementos que permitem fazer previsões razoáveis acerca dos julgamentos do Judiciário.


Todos os ministros presentes no julgamento anterior continuam na Corte, exceto Teori Zavascki - que foi substituído pelo Min. Alexandre de Moraes.


Como ele foi um voto da minoria, se o Min. Alexandre de Moraes seguir sua opinião, isso não mudaria o resultado. De outro lado, se ele votasse a favor dos servidores, seria uma vitória mais larga.


Ademais, o Min. Ricardo Lewandowski já aplicou a jurisprudência da ADI 4.013/TO ao assegurar aos servidores federais o reajuste previsto em suas leis específicas e que havia sido adiado pela Medida Provisória 805/17. Ele concedeu rumorosa medida liminar, nas vésperas do término do ano Judiciário de 2017, assegurando o pagamento do reajuste aos servidores federais em 2018 - que o governo Michel Temer tentou adiar.


Em sua decisão liminar, o ministro disse que estava vinculado à decisão da maioria:

"Não obstante a posição por mim externada no julgamento da referida ação de controle concentrado, em que me filiei à corrente minoritária, assento que a decisão tomada pelo Plenário do STF produziu ‘eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal’ (art. 102, § 2° da CF), de modo que, ao menos nesse exame preambular, a ela estou adstrito." Trecho da decisão do Min. Ricardo Lewandowski na Medida Cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.809/DF.

Assim, é razoável acreditar que há chances razoáveis de o Ministro passar a adotar a decisão da maioria - mais um motivo para acreditar que aquela apertada decisão terminará por prevalecer.


Contra os servidores, há alguns fatos que devem ser levados em conta. A maioria anterior não é garantia de que o raciocínio da decisão será mantida no futuro, nem que o caso será aplicado aos servidores do Distrito Federal - situação que nos parece lógica, passível de ser defendida mas que, ao final, pode não ser acolhida pelo Judiciário.

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Também se deve considerar que dois votos favoráveis aos servidores foram proferidos pelos ministros do Supremo Tribunal Federal que estão mais próximos de se aposentar: Celso de Mello (que completa 75 anos em 1º de novembro de 2020) e Marco Aurélio (em 12 de julho de 2021). Se esses votos forem revertidos, haverá uma nova maioria.


Conclusão

Por tudo, com as ressalvas apresentadas, o precedente da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.013/TO vale para todos os servidores do país, e também para o reajuste escalonado dos servidores do Distrito Federal.

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