LDO do Roraima e o reajuste no GDF
- Gustavo Trancho
- 30 de mar. de 2020
- 6 min de leitura
Atualizado: 20 de mai. de 2020
O Correio Braziliense noticiou que "STF impede pagamento da terceira parcela do reajuste a servidores do DF". Essa notícia tem base jurídica?
Entenda a história
No governo Agnelo Queiroz, foram aprovados reajustes escalonados para mais de trinta categorias de servidores do Distrito Federal, pagos a partir de setembro de 2013, 2014 e 2015. Quando foi eleito Rodrigo Rollemberg para assumir o governo do Distrito Federal a partir de 2015, a sua equipe de transição já discursava DEZ/2014 que havia um descontrole fiscal: "o GDF corre risco de extrapolar os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal".
No dia 2 de janeiro de 2015, o novo governador editou o Decreto 36.246 de "racionalização e o controle de despesas públicas", que dificultou o pagamento dos contratos assinados no governo anterior.
No início de fevereiro de 2015, o governo já anunciava que os aumentos estavam ameaçados e que "especialistas apontam que Justiça pode anular benefícios". Era o início da campanha publicitária da ação direta de inconstitucionalidade proposta no final do mês contra as leis de reajuste dos servidores públicos. Apesar do parecer dos supostos "especialistas", o GDF perdeu a questão no Tribunal de Justiça do Distrito Federal por unanimidade, com o voto de 17 desembargadores do Conselho Especial, em maio de 2015.
Em 15 de setembro de 2015, o governador convocou uma entrevista coletiva anunciando um Pacote de Ajustes e Cortes para conter a crise econômica. O anúncio inicial foi de "adiamento" do reajuste dos servidores. Isso não satisfez o funcionalismo público, que teve pelo menos 15 categorias em greve.
Em 2016, o governo começou afirmando que "o reajuste a servidores do DF será pago", mas em agosto Rodrigo Rollemberg dizia que "nosso objetivo é cumprir aquilo que foi acordado com os servidores". Não foi surpresa quando chegou novamente setembro, e um relatório "técnico" afirmou que pagar o reajuste era impossível, que o governo "atingiu o pico do comprometimento dos gastos".
Enxurrada de Ações Judiciais
Leonardo Vieira Lins Parca entrou com uma ação exigindo o reajuste da sua categoria (servidor da Procuradoria-Geral do Distrito Federal, regido pela Lei 5.192/13) e perdeu em 1ª instância por decisão da juíza titular do 1º Juizado Especial de Fazenda Pública do Distrito Federal.
Seu recurso foi provido pela 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal em 13 de julho de 2016 e é o primeiro precedente conhecido sobre o tema (acórdão 954565, da lavra do juiz João Luís Dias Fischer).
Se houve pelo menos outros 6 vitórias de servidores até o fim de 2016, no ano seguinte é fácil contar mais de 600 causas obtiveram vitória para os servidores.
Nesse momento é que surge a hábil estratégia processual de levar a causa para o Supremo Tribunal Federal e a vinculação com as demandas dos servidores de Roraima.
O Tema 864 da Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal
Em outubro de 2015, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o reajuste dos servidores do Estado de Roraima era uma questão constitucional com repercussão geral. O processo era o RE 905.357/RR, que passou a ser designado como o Tema 864 da Repercussão Geral.
Diante das centenas de derrotas em 2017, a Procuradora-Geral do Distrito Federal argumentaram que a questão do reajuste dos servidores locais era similar à do reajuste dos servidores de Roraima.
O Ministro Alexandre de Moraes permitiu que o Distrito Federal participasse da discussão no caso de Roraima e decretou a suspensão nacional de todos os casos similares em 19 de outubro de 2017, noticiada dias depois na página do Supremo Tribunal Federal.
Desde essa vitória, os processos de reajuste escalonado dos servidores do Distrito Federal estão suspensos.
Revisão Geral Anual
A Constituição de 1988 foi editada quando o Brasil vivia inflação galopante. Em 1986 a inflação superou 70% e em 1987, 300%. Não foi sem razão que o constituinte estabeleceu o direito de um reajuste anual do valor dos vencimentos dos servidores:
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:
[...]
X - a revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre civis e militares, far-se-á sempre na mesma data;" Constituição Federal de 1988. Redação original.
Essa garantia fundamental em tempos de inflação, já foi relegada a segundo plano com o advento do Plano Real. O Supremo Tribunal reconheceu a repercussão geral da omissão dos Estados e Municípios em dar reajustes anuais a seus servidores em 2007, considerando que era muito comum que não se observasse a revisão geral anual:
"VENCIMENTOS - REPOSIÇÃO DO PODER AQUISITIVO - ATO OMISSIVO - INDENIZAÇÃO - INCISO X DO ARTIGO 37 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - RECURSO EXTRAORDINÁRIO - REPERCUSSÃO DO TEMA. Ante a vala comum da inobservância da cláusula constitucional da reposição do poder aquisitivo dos vencimentos, surge com repercussão maior definir o direito dos servidores a indenização." (RE 565089 RG, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 13/12/2007, DJe-018 PUBLIC 01-02-2008)
Doze anos depois, em 2019, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a falta de revisão geral anual não gera direito algum aos servidores - exigindo que o Poder Executivo se manifeste, de forma fundamentada, por que não propôs a revisão.
O Caso do Estado de Roraima
Apesar de a exigibilidade da Revisão Geral Anual ter se tornado letra morta, pela decisão final do Supremo Tribunal Federal, o Estado de Roraima editou uma lei prevendo reajuste linear de 5% para todos os seus servidores (Lei 331/02).
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (Lei 339/02) autorizou a Revisão Geral nos moldes previstos na lei anterior, mas o reajuste não constou da Lei Orçamentária (Lei 361/03). O Estado veio a revogar a previsão na LDO na metade do ano (em julho de 2003 - Lei 391/03).
O Tribunal de Justiça do Estado de Roraima deu ganho de causa aos servidores, obrigando o Estado a implementar o reajuste de 5% previsto na LDO.

Julgamento do Tema 864 - LDO não é suficiente para garantir Revisão Geral Anual
Em novembro de 2019, o Supremo Tribunal Federal julgou o recurso extraordinário 905.357. O relator entendeu que a Lei 331/02 aplicava-se exclusivamente ao ano de 2002, e que a questão constitucional a ser julgada era saber se a previsão de reajuste em LDO é suficiente para assegurar o direito aos servidores.
O voto do relator merece ser transcrito:
"Portanto, cumpre analisar se, ainda assim, os servidores têm direito subjetivo a aumento previsto apenas na LDO.
Conforme destaca REGIS FERNANDES DE OLIVEIRA, 'a decisão de gastar é fundamentalmente uma decisão política. O administrador elabora um plano de ação, descreve-o no orçamento, aponta os meios disponíveis para seu atendimento e efetua o gasto. A decisão política já vem inserta no documento solene de previsão de despesas. (...) Uma vez estabelecidas as prioridades, mediante autorização legislativa (aprovação da lei orçamentária ou de créditos especiais e complementares), opera-se a despesa (saída de dinheiro) pelas formas estabelecidas em lei e que serão adiante analisadas'.
Conclui-se, então, que, apesar de o administrador público ter inserido na LDO a autorização para o reajuste, por uma decisão política, quedou-se inerte quando da elaboração da LOA. Sendo a LDO norma de orientação para a elaboração do orçamento para o ano subsequente, não se poderia dizer que cria direitos subjetivos para eventuais beneficiários, tampouco exclui a necessidade de inclusão da despesa na LOA.
[...]
Proponho seguinte tese de repercussão geral: A revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos depende, cumulativamente, de dotação na Lei Orçamentária Anual e de previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias." (RE 905357, rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 29/11/2019, DJe-282 DIVULG 17-12-2019)

Opinião
Enquanto o Supremo Tribunal Federal julgou o direito de Revisão Geral Anual dos servidores do Estado de Roraima, a questão dos servidores do Distrito Federal é de outra natureza.
O entendimento da repercussão geral certamente pode ser aplicado a outros casos, desde que eles tenham as características que foram levadas em consideração no julgamento: 1) tratar-se efetivamente de revisão geral anual, 2) ter sido prevista exclusivamente na LDO, 3) ausência de previsão na Lei Orçamentária.
No caso do Distrito Federal, as leis votadas em 2013 de reajuste para as categorias eram leis de restruturação de carreiras, e não previsão de Revisão Geral Anual. Ademais, houve previsão e pagamento dos reajustes nos anos de 2013 e de 2014.
Muitas pessoas se esquecem, mas as leis orçamentárias do primeiro ano de cada governo eleito são votadas pelo titular anterior. A Lei Orçamentária de 2015 (Lei Distrital 5.442) foi assinada pelo então governador Agnelo Queiroz em 30 de dezembro de 2014 e continha a previsão de aumento significativo da despesas com os servidores.
Por isso, a nossa opinião é de que o julgamento do Tema 864 da Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal não é extensível à discussão dos reajustes previstos nas leis de reajustes dos servidores públicos do Distrito Federal aprovadas entre maio e dezembro de 2013.
Lista das Leis sobre as quais se refere esta opinião:
Lei Distrital 5.105
Lei Distrital 5.125
Lei Distrital 5.173
Lei Distrital 5.175
Lei Distrital 5.179
Lei Distrital 5.181
Lei Distrital 5.182
Lei Distrital 5.184
Lei Distrital 5.185
Lei Distrital 5.187
Lei Distrital 5.188
Lei Distrital 5.189
Lei Distrital 5.190
Lei Distrital 5.192
Lei Distrital 5.193
Lei Distrital 5.194
Lei Distrital 5.195
Lei Distrital 5.200
Lei Distrital 5.201
Lei Distrital 5.206
Lei Distrital 5.207
Lei Distrital 5.212
Lei Distrital 5.217
Lei Distrital 5.218
Lei Distrital 5.226
Lei Distrital 5.227
Lei Distrital 5.237
Lei Distrital 5.245
Lei Distrital 5.247
Lei Distrital 5.248
Lei Distrital 5.249
Lei Distrital 5.250
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